Por Paula Lago e Raquel Laudares, g1 SP e GloboNews — São Paulo
Mulheres vítimas de violência doméstica podem contar, desde a última segunda-feira (25), com os mais de 13 mil cartórios de todo o país como pontos de apoio para enfrentar esse tipo de abuso, que atingiu uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos no último ano no Brasil, durante a pandemia, segundo pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Os cartórios passaram a integrar a campanha Sinal Vermelho, criada no ano passado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e que tem como objetivo incentivar e facilitar denúncias de violências ocorridas em ambientes domésticos.
A iniciativa se transformou na Lei Federal nº 14.188 em de 28 de julho de 2021 e é uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Por meio de um “X” escrito na palma da mão, ou em um pedaço de papel, as vítimas podem, de maneira discreta, sinalizar ao funcionário do cartório sua situação de vulnerabilidade, e ele então acionará a polícia.
“O sinal vermelho é um chamamento à união de esforços contra a violência doméstica, ampliando possibilidades de escuta a possibilidades de acesso a ajuda, principalmente em momentos emergenciais para mulheres que se encontram em situações delicadas, em que elas não conseguem sair de uma situação de violência. É aquele momento em que ela, mais acuada, encontra uma brecha para se comunicar de uma forma silenciosa e assim sinalizar um pedido de ajuda.”
A promotora destaca que esse tipo de comunicação é fundamental porque, muitas vezes, a sinalização pode ser o momento em que a mulher se encontra mais vulnerável.
“Na medida em que um agressor, um homem violento, percebe que aquela mulher tenta sair daquela situação, pode ser considerado o momento mais crítico. Não é a toa que, quando a mulher diz que quer romper o relacionamento, ou a própria separação recente do casal, são duas circunstâncias consideradas de risco para as mulheres em situação de violência. Justamente porque é um tipo de violência que se mantém ou que é exercida para manter um sentimento de posse, um sentimento de poder do autor em relação à vítima. Cerca de 45% dos feminicídios são praticados nessas condições.”
Daí a importância de a mulher não se sentir sozinha e poder recorrer a uma rede de atendimento que, atualmente, conta com parcerias em farmácias, prefeituras, órgãos do Judiciário e agências do Banco do Brasil e pode encaminhar as vítimas para órgãos de segurança pública ou de atendimento especializado.
O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Claudio Marçal Freire, lembra que os cartórios foram considerados serviços essenciais durante a pandemia, “de forma que usar sua presença em todo o território nacional como forma de atuar na proteção das mulheres, ainda mais fragilizadas neste momento, é um papel que não devemos nos furtar”.
Sucasas diz que a violência doméstica é considerada epidêmica pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tanto por atingir uma quantidade muito grande de mulheres quanto por comprometer as gerações futuras, e que toda iniciativa deve vir acompanhada da capacitação das pessoas envolvidas no atendimento às vítimas, até para evitar que elas sejam postas em um risco ainda maior.
“A falta de acolhimento e a revitimização podem intimidar a mulher. Toda articulação que não é feita adequadamente também pode colocar aquela mulher em risco. Caso ela não seja devidamente atendida e tenha que retornar para casa, ou até se descoberto o fato de que ela solicitou ajuda nesses ambientes, ela pode acabar sendo alvo de feminicídio”, afirma.
Como funciona a campanha
- O sinal “X” feito na palma da mão ou em um pedaço de papel, o que for mais fácil, permitirá que a pessoa que atende reconheça que aquela mulher foi vítima de violência doméstica e, assim, acione a Polícia Militar;
- Atendentes recebem cartilha e tutorial em que são explicados os fluxos que deverão seguir, com as orientações necessárias ao atendimento da vítima e ao acionamento da Polícia Militar, de acordo com protocolo preestabelecido;
- Quando a pessoa mostrar o “X”, o atendente, de forma reservada, usando os meios à sua disposição, registra o nome, o telefone e o endereço da suposta vítima, e liga para o 190. Em seguida, se possível, conduz a vítima a um espaço reservado, para aguardar a chegada da polícia;
- Se a vítima disser que não quer a polícia naquele momento, após a saída dela, o atendente transmite as informações pelo telefone 190. Para a segurança de todos e o sucesso da operação, sigilo e discrição são muito importantes. A pessoa atendente não será chamada à delegacia para servir de testemunha;
- Se houver flagrante, a PM encaminha a vítima e o agressor para a delegacia de polícia. Caso contrário, o fato será informado à delegacia por meio de sistema próprio para dar os encaminhamentos necessários – boletim de ocorrência e pedido de medida protetiva.